Quando ouvimos alguém falar a
palavra angústia é quase que inevitável não associarmos ela a situações que nos
deixam ou deixaram angustiados. Além disso, estas lembranças, quase sempre, trazem
sentimentos e significados de “dor” ou “sofrimento”. “Apesar de tudo, esse
discurso de “não sei quê” “ não sei o porquê” da angústia, ela nos desconforta e desassossega. Às vezes ela nos
parece bem familiar, como se falasse
algo de nós mesmos.
Nesta lógica de nem sempre sabermos
do que trata nossa angústia, o que vem conscientemente a nós é só a ideia do
desconforto. Muitos já se sentiram assim, tiveram a sensação de certo mal-estar
e sem nenhum motivo aparente. Contudo notamos dentro das teorias filosóficas e
psicológicas que é possível se falar em angústia, foi possível pensar em uma
subjetividade inerente a cada sujeito. Aquilo que é singular a cada um, e gera
a sua própria angústia.
Freud em Inibições, Sintomas e
Angústias (1926), descreve alguns tipos de angústia, sendo elas: angústia como
libido transformada, onde angústia vem como uma reação a situações de perigo –
ideia esta descartada por Freud, após alguns estudos. Angústia realística e
neurótica, onde ambas estão relacionadas. A angústia como sinal vem como um sinal
de desprazer. Por último, a angústia e o nascimento estão interligados, pois o
nascimento é a primeira experiência de angústia, sendo fonte e protótipo da
sensação desta.
Conseguimos
perceber dentro desta teoria ainda, o caso do Pequeno Hans, descrito por Freud,
onde vemos o caso de manifestações de angústia
associados aos sintomas na infância. O sintoma que acomete o menino é o
medo de ser mordido por cavalos. A fobia de Hans surge entre os três e os cinco
anos, durante a fase fálica, na qual ele apresenta grande interesse pela origem
dos bebês e pelos órgãos genitais. Nessa época, a mãe de Hans dá à luz uma
menina, situação que coloca à prova os cuidados maternos.
Fazendo uma releitura deste caso, Lacan destaca que, a
mãe de Hans o deixa, todas as manhãs, como um terceiro no quarto do casal,
mesmo contra a vontade do marido, indicando que ela não considera as palavras
deste. Para Lacan, o pai não está presente no discurso da mãe e ela não o deixa
entrar na relação com o filho. A angústia surge então em Hans quando ele é
separado de sua mãe.
Podemos observar que a angústia ocorre pela falta de objeto (separação
da mãe). Para Lacan a angústia não é sem objeto, pois isto ela não esta à falta
de objeto, mas à relação do sujeito com seu objeto perdido. Vemos na clinica
que este objeto não está tão perdido, na medida em que, se é possível encontrar
vestígios dele nos sintomas e formações do inconsciente. Isso é o que chamamos
de via de acesso ao objeto a, que
causa o desejo.
“O que provoca angústia é tudo aquilo que nos
anuncia, que nos permite entrever que voltaremos ao colo. (...) A possibilidade
da ausência, eis a segurança da presença. O que há de mais angustiante para a
criança é, justamente, quando a relação com base na qual essa possibilidade se
institui, pela falta que a transforma em desejo, é perturbada, e ela fica
perturbada ao máximo quando não há possibilidade de falta. (LACAN, 2005, p. 64)
Já para Heidegger a
angústia se manifesta como uma possibilidade original de expor o homem ao seu
próprio ser. Par ele, nós experimentamos a
angústia quando ocorre a totalidade do ser da existência humana. A angústia
seria aqui, o nada e o vazio que é a existência. Contudo, é neste vazio que o
homem se encontra, e sua natureza passa pela abertura as coisas. Este vazio
significa a busca por algo. O sentido da vida é algo que deve que ser criado, e
cabe ao homem dar a direção a ela. Não existem verdades absolutas, não existe
um critério, um dogma, pois a vida se torna para o autor a abertura do mundo.
A
questão que ele emprega sobre o Dasein, é para nos colocar como ser-no-mundo.
Alguém que está sempre lançado em si mesmo, não esta pronto, que permanece no
processo de criar-se e recriar-se em seu ser. Diante desta ideia de não
estarmos prontos, mas sempre lançados nas possibilidades do nosso próprio ser,
é que nos vemos sempre diante da possibilidade de o realizarmos, quer de forma
autêntica, quer de forma inautêntica.
É nesse contexto ainda que
Heidegger vem nos dizer que é pela angústia que somos retirados da existência tranquila,
que se revela no nosso cotidiano. Por vezes, ficamos acomodados no nosso cotidiano
pensando que estamos seguros de qualquer coisa. Contudo, sabemos que esta ideia
não é correta, isto porque segundo a teoria de Heidegger é na ocupação diária que
o Dasein – ser no mundo- pode aparecer. É no nosso desvelar-se, que a angústia
se torna um fenômeno original, primordial para a posição do homem frente aos
acontecimentos. Segundo Heidegger:
O porquê a
angústia se angustia não é um modo determinado de ser e uma possibilidade do
ser-aí. A ameaça é ela mesma indeterminada, não chegando, portanto, a penetrar
como ameaça neste ou naquele poder-ser concreto e de fato. A angústia se
angustia pelo próprio ser-no-mundo (...). O mundo não é mais capaz de oferecer
alguma coisa nem sequer a co-presença dos outros. A angústia retira, pois, do
ser-aí a possibilidade de, na decadência, compreender a si mesmo a partir do
mundo e na interpretação pública. (HEIDEGGER, 1989, p. 187)
A angústia é um dos temas chaves
da filosofia existencialista, e embasa a teoria da psicologia existencial
humanista, a tal ponto que os pensadores trabalham em suas reflexões sobre a
angústia ser condição essencial da vida do ser humano.
Kierkegaard, ao falar sobre o
tema apresenta o nada como sendo
função de origem da angústia. É na angústia que surge para o humano o dar-se
conta de sua própria finitude, isto é, a compreensão de que ele não é um ser
completo, mas que pode pensar sua existência e caminhar para momentos que mais
e mais o aproximem de uma completude, mesmo sabendo que nunca alcançará tal
estado.
Além disto, Kierkegaard, fora
um pensador que rompeu com o projeto da filosofia. Em seus escritos percebe-se
que ele não busca uma verdade, mais o centro da gravidade da sua vida. Para ele
o individuo pode escapar a angústia da interioridade, expressando-a no mundo
exterior, e este é o fundamento que se utiliza na análise terapêutica da linha
existencial.
Kierkegaard propõe-se examinar a
angústia pela via do pecado. Uma categoria que garante a essência da
individualidade. O pecado se impõe, portanto, como afirmação da singularidade
do indivíduo. Para ele, o fato de a angústia preceder e seguir o pecado permite
encontrar na própria angústia um elemento comum entre o pecado original e os
outros. Para Kierkegaard todo homem é angustiado, pois a angústia é
característica humana. Quanto maior é a sua angústia, mais humanizado se torna
o homem.
Em
suma, vemos nos dias atuais tantas pessoas consumindo psicotrópicos por conta
de não se permitirem sentir angústia. É necessário passarmos pela aceitação da
vida como ela é, difícil, cansativa, arriscada, angustiante, incerta, onde nada
está prometido. Quem iniciou a ideia que todo sofrimento é patológico? As
pessoas preferem hoje em dia, renunciar a determinadas questões do que se
permitir sentir angústia. Poucos sabem na verdade que a angústia e a esperança
andam juntos, pois a angústia te move, basta usá-la a seu favor.
Referências Bibliográficas
FREUD, S (1926).
Inibições, Sintomas e Ansiedade. Obras Completas. Edição Standard Brasileira,
Vol. XX. Rio de Janeiro: Imago Editora,
2006
_________.
(1996ª). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. Obras Completas.
Standard Brasileira, Vol. X. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006
HEIDEGGER, M.
Ser e tempo. 3. ed.. Petrópolis: Vozes, 1989.
LACAN, J. O
seminário, livro 10, a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 368 p.
MURTA, C.
Angústia em Filosofia e Psicanálise. – MÓDULO 1 - A Angústia entre a
Psicanálise e a Tecnociência. - Vitória: Universidade Federal do Espírito
Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2017
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